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O que deixar de ser quando crescer?

Deixar de ser santo, de ser bobo, de ser bom. Deixar de ser você, de ser honesto, fiel, bacana. Deixar de cair, levantar, sorrir e cair de novo sorrindo. Deixar de achar tudo engraçado, fazer piada da desgraça alheia e lamber os dedos melados de sorvete, mesmo sabendo que não tem o mesmo gosto.


Deixar de pintar a parede do quarto, trocar a capa do caderno, cortar a calça, transformar a tristeza em alegria. Deixar de inventar alguma coisa todo dia, mesmo que essa coisa não sirva pra nada. Melar a unha de corretivo, fazer tatuagem de caneta, de saco de salgadinho. Deixar de fazer perna de pau com cabo de vassoura, de fazer pulseira com elástico de dinheiro, de converter suco de uva em geladinho.

Subir no sofá, não desligar o chuveiro, dar salto mortal, plantar bananeira. Escorregar no piso ensaboado, tocar a campainha do vizinho, quebrar a lâmpada do poste, assaltar a geladeira. Se esconder no escuro, correr descalço, arrancar o dente com linha, entrar pela janela. Andar por cima do muro, cair em tentação, bancar o ladrão, roubando manga no “pé” da casa do lado, saltar do ônibus em movimento e ficar tonto de tanto rodar.

Deixar de paquerar a coleguinha, espiar a vizinha tomando banho no quintal. Deixar de dar beijo escondido, de bancar o sabido e querer ir além. Deixar de dar uns amassos na saída da escola, de dizer eu te amo antes de namorar. Deixar de abraçar toda hora, de inventar desculpa pra se ver de novo. De beijar no rosto e ficar feliz, de não saber o que fazer e fazer tudo de um jeito engraçado.

Deixar de dizer boa noite, dorme com Deus. Você é meu anjo que caiu do céu. Deixar de prometer amor eterno, de escrever nomes dentro de um coração. Deixar de dar uma flor que ninguém sabe qual é, de comprar presentes no armarinho. De levar o caderno do outro pra casa, de emprestar o casaco, a touca, o boné.

De escrever na areia da praia, de saber a data do primeiro beijo. De pegar o mesmo ônibus pra poder ir junto, de esperar na porta da sala, andar de mãos dadas no corredor. Contar pros amigos, que está apaixonado, trocar papel de bala, escolher uma música, esconder do professor. Mandar bilhetinho, sonhar acordado, fazer as pazes, mesmo sem ter brigado.

Quando crescer, deixar de ser isso tudo e achar que isso tudo era só ilusão.